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COSME ARISTIDES


Sou um pouco filósofo, um pouco poeta, um pouco artista. Como filósofo minha postura é cético-anarquista. Em física, busco um conhecimento honesto sem verdades. Em política, uma ordem social sem hierarquias. Em economia, um desenvolvimento sustentável e limpo. Como poeta, tenho a pretensão que meus textos sejam poesia em prosa e meus poemas, prosas em verso. Como artista, sou um escultor que não molda, mas que se desdobra em dobras pra dar forma ao papel. Essa arte tem nome e se chama origami.


Aforismo 109 de "A Gaia Ciência"

Friedrich Wilhelm Nietzsche

Defendamo-nos. Defendamo-nos de pensar que a Terra é um ser vivo. Como se desenvolveria? Do que se nutriria? Como faria para crescer e multiplicar-se. Sabemos de forma aproximada o que é matéria organizada; e devíamos mudar o sentido daquilo que há em nossa percepção de indizivelmente desejado, tardio, raro e fortuito na crosta terrestre para fazer disso, como aqueles que acreditam que o universo é um organismo, o essencial, o geral, o eterno. Eis o que me causaria repugnância!

Guardemo-nos de pensar, até, que o universo é uma máquina; não foi certamente construído com intuito, damos-lhe honra demasiado grande empregando a seu respeito a palavra “máquina”. Defendamo-nos de dar por certo, por toda parte e de modo geral, alguma coisa de definido, como movimento cíclico de nossas constelações vizinhas; um olhar lançado sobre a via-láctea evoca dúvidas, faz supor que por lá possam existir movimentos muito mais grosseiros e contraditórios e também estrelas precipitadas em linha reta, etc. A ordem astral em que vivemos é uma exceção, também a efemeridade da duração desta condição tornou possível por seu lado a elaboração da exceção entre exceções: a formação do orgânico. A condição geral do mundo é, por outro lado, por toda a eternidade o caos, não pela falta de necessidade, mas no sentido de uma falta de ordem, de estrutura, de forma, de beleza, de sabedoria e sejam lá quais forem os nomes do esteticismo humano.

Segundo supõe nossa razão, os golpes infelizes dos dados ultrapassam largamente os demais, constituindo-se, entretanto numa regra geral, as exceções não são a finalidade secreta e todo o mecanismo repete eternamente seu refrão que não pode ser chamado melodia e finalmente a expressão “golpe infeliz” já contém uma antropoformização ofensiva. Mas como poderíamos ousar imprecar contra ou louvar o universo? Guardemo-nos de repreendê-lo pela dureza e pela desrazão ou ainda pelo contrário. Não é perfeito, nem belo, nem nobre, nem quer se tornar nada disso, não tende a imitar o homem! Não é tocado por nenhum de nossos juízos estéticos e morais. Não possui instinto de conservação e, de modo geral, nenhum instinto, ignora também todas as leis.

Defendamo-nos de dizer que há leis na natureza. Existem apenas necessidades: não existe ninguém que comande ou obedeça, ninguém que infrinja. Quando souberdes que inexistem fins, sabereis igualmente que inexiste acaso; pois, unicamente sob um mundo de fins é que a palavra “acaso” toma sentido. Excusemo-nos de dizer que a morte é o contrário da vida. A vida não passa de uma variedade de morte e variedade mui rara. Defendemo-nos de acreditar que o mundo cria incessantemente o novo. Inexistem substâncias eternamente duráveis; a matéria é um engano semelhante ao deus dos eleatas.

Quando acabaremos com nossos cuidados e nossas precauções? Quando deixaremos de ser obscurecidos por todas essas sombras de Deus? Quando teremos despojado dos atributos divinos a natureza? Quando teremos direito, nós homens, de nos tornarmos naturais, com a natureza pura, reencontrada, liberada?


DESMISTIFICANDO O CÓDIGO DA VINCI


A onda gerada pelo livro O Código Da Vinci esconde por trás de seu sucesso uma campanha bem urdida de desinformação, desqualificação e dissimulação diversiva. Bem ao contrário do que se pensa o livro não é um ataque direto à Igreja, mas um meio astucioso da própria Igreja atacar os estudos históricos que tentam recontar sob novo ângulo os eventos do cristianismo primitivo, ao se apoiarem sobre fontes extra-canônicas principalmente os chamados evangelhos apócrifos.

É relevante ressaltar que, ao final do romance de Dan Brown, a Igreja é isentada de qualquer envolvimento nos crimes que impulsionam toda a trama. Inclusive a ligação da Opus Dei com a Igreja católica, através de seu status de prelazia1 pessoal do Papa, é supostamente desfeita, antes mesmos dos acontecimentos narrados no livro; isto por meio de uma fictícia decisão da Cúria Romana de revogar a sanção que lhe foi concedida pelo vaticano. No pacote, para desvincular totalmente a Opus Dei da ICAR2, incluiria a promessa de restituir à organização, em 5 prestações, o empréstimo concedido por esta ao então quase falido banco do vaticano em 1982. Outro fato digno de nota é que o vilão de toda a estória, Sir Leigh Teabing – o responsável pela conspiração, pelos assassinatos e pelo aliciamento do “ingênuo” dirigente da Opus Dei Bispo Manuel Aringorosa – é justo o personagem que incorpora mais ativamente o tom acusatório e de denúncia contra as imposturas históricas da Igreja, para encobrir os registros de fatos que contradigam a sua “verdade oficial”. Longdon, o protagonista, se limita a concordar passivamente com as falas de Teabing e se resguarda de tomar uma atitude de afronta direta aos procedimentos do clero católico ao longo da História. Ora, Teabing é claramente apresentado como um psicopata obcecado por suas idéias e teorias de conspiração. Quem daria crédito a um sujeito com um diagnóstico tão desabonador e tão pouco confiável? O próprio Dan Brown faz o trabalho dos defensores do relato ortodoxo dos eventos, desqualifica totalmente o personagem que representa e sintetiza o discurso subversivo ao status quo histórico mantido e divulgado pela versão canônica.

Essa campanha contra uma visão científica e histórica mais equilibrada fica mais clara ao se ler os livros que vieram na corrente do sucesso do romance, tais como Os segredos do código Da Vinci de Dan Burstein, Revelando o Código Da Vinci de Martin Lunn e o sui generis Decodificando Da Vinci de uma tal Amy Welborn, mestra em história da Igreja pela Universidade Vanderbilt(?) e escritora de livros de orações, santos e estudo dirigido das escrituras, cuja última página do livro é tão insidiosa que nem mereceria comentários, apenas citarei o último parágrafo da última página onde observa-se o tom geral do livro: “Está curioso com relação à Jesus? A verdade está tão perto quanto o livro que está na estante. E, não, não é o Código da Vinci. Não deixe que um romancista que está na moda instrua você nos caminhos da fé. Volte para o começo e dirija-se à fonte: pegue a Bíblia. Você vai ficar surpreso com o que vai encontrar.”

Um que merece leitura é O Código Da Vinci Descodificado, de Simon Cox, onde o autor busca ser imparcial e direto. Sua forma de escrever é ligeiramente divertida.


Entretanto vou me deter explicitamente no livro Quebrando o Código Da Vinci de Darrel L. Bock. Neste livro o autor busca quebrar oito códigos ocultos no romance. Todos os cincos primeiros são de fácil refutação, pois são dados ditos factuais por Dan Brown, que se tornam frágeis diante de uma análise histórica mais apurada. São hipóteses do casamento de Jesus, da linhagem sagrada, da existência e antiguidade da sociedade secreta chamada Priorado de Sion e outras conjecturas correlatas. Todos estes elementos podem ser rastreados até a fundação da tal ordem secreta em 1956 por Pierre Plantard e três colaboradores. Pierre Plantard foi um mistificador de extenso repertório, tendo inclusive e não por acaso, se colocado dentro da linhagem Merovíngia, acrescentando ao seu nome a partícula Sant Clair. Fundou jornais na linha esotérica e defendia neles uma campanha de restauração na Europa de uma monarquia divina apoiada pela Igreja católica, nunca escondeu sua posição de católico de direita. Os tais documentos secretos do Priorado de Sion depositados na Biblioteca Nacional de Paris tiveram sua autenticidade negada ao se saber que foram forjados pelos próprios membros da dita ordem. O fato de estar numa biblioteca de renome não é significativo, não lhe outorga autenticidade, pois qualquer um pode fazer depósitos de documentos nesta biblioteca, cuja responsabilidade é só catalogá-lo e datar sua entrada ou saída.

A partir daí não há nenhum mérito em “quebrar” os códigos relacionados com tais hipóteses totalmente infundadas. O problema é que isso deu ensejo a Bock colocar a pesquisa de historiadores competentes no mesmo nível destas falcatruas. Estes pesquisadores entraram na mira do autor justamente por darem a mesma importância tanto para os escritos apócrifos como para os canônicos, dentro dos mais rígidos critérios históricos. Pejorativamente são chamados dentro de Quebrando o Código de revisionistas, pois estão construindo ‘uma história alternativa’ da existência de Jesus e dos primeiros anos do cristianismo que não se adapta aos pressupostos propalados pela Igreja.

Essa tática não é nova, da mesma forma antes o exegeta John P. Méier fez o mesmo ataque contra esse grupo de historiadores que é encabeçado por Helmut Koester, pesquisador alemão que lecionou em Harvard e cuja influência se reflete nas opiniões de muitos de seus colegas e alunos americanos, entre os quais se incluem, Ron Cameron, Stevan Davies, James Robinson e John Dominc Grossan. E que opiniões são essas que tanto irritam os defensores da autoridade única dos textos canônicos? É simplesmente a idéia de que alguns evangelhos apócrifos como o de Tomé possam ter sido escritos já na segunda metade do século I, não trazendo influência dos evangelhos canônicos e contendo algumas das palavras de Jesus numa forma mais primitiva do que as apresentadas nestes últimos. Essas hipóteses não são levianas nem infundadas, são embasadas em datação histórica rigorosa, estudos de estilo e proximidade com a tradição oral e com a fonte Q, uma coletânea de relatos e ditos que teria sido a base de origem de quase todos os evangelhos. A teoria sobre a fonte Q tem ampla aceitação entre os historiadores, que deduzem como teria sido seu aspecto geral através de comparações críticas entre os evangelhos remanescentes. O trabalho desses pesquisadores é feito respeitando o método científico e não leva em conta o peso da fé ou da autoridade eclesiástica.

Nas palavras de Bock:

“Koester afirma que elementos da teologia desses grupos rejeitados, que Tertuliano dizia serem posteriores, não podem ser comprovadamente tão recentes. Koester diz: “As primeiras tradições e escritos evangélicos contêm sementes tanto de heresia quanto de ortodoxismo. Para a descrição da história e do desenvolvimento da literatura evangélica dos primeiros períodos do cristianismo, os epítetos herético e ortodoxo não dizem nada. Apenas o preconceito dogmático pode admitir que os escritos canônicos têm origem apostólica exclusiva e, assim, prioridade histórica””.

Logo a seguir ele faz um julgamento de valor leviano e que tenta induzir o leitor a ter já uma ideia preconceituosa do estudo de Koester:

“Se estas alegações não estivessem em livros de acadêmicos, tenderíamos a chamá-las de mentiras baratas.”

E no final do capítulo referente ao sexto código ele arremata, fechando o ciclo de suas intenções:

“Mostramos o que existe por trás de O Código Da Vinci e o código "secreto" dos escritos gnósticos aos quais se refere um megacódigo.(?) O Código Da Vinci não é uma mera obra de ficção disfarçada de quase realidade. O livro reflete um esforço para representar e, em alguns casos, reescrever a história, com o uso seletivo de evidências antigas que ironicamente apontam para um desmentido da história antiga. Reflete ainda o esforço para redefinir uma das forças culturais mais importantes nas bases da civilização ocidental: a fé cristã. O livro alega expor com tato algo que realmente não está ali. Embora haja alguns pontos a serem considerados neste estudo, a maior parte do que está na base deste megacódigo carece de fundamentação histórica. Ao quebrar O Código Da Vinci, descobrimos que há muito mais acontecendo aqui do que a simples criação de um romance de ficção. Existe uma revisão do que foi e é o cristianismo. Trata-se de uma realidade virtual.” .(os grifo são meu)

Aqui se mostra do que realmente Bock está tentando defender o cristianismo: não é das charopadas do romance de Dan Brown (aliás livrinho muito do mal escrito!), mas das pesquisas de historiadores renomados que dão valor ao estudo dos evangelhos apócrifos na investigação do que teria sido o cristianismo em seus primórdios. Apesar de ser protestante, Bock está interessado em defender a versão oficial da Igreja católica, pois esta é o lastro que sustém a teologia fundamental de qualquer vertente cristã. É sintomático que – depois do sétimo que é apenas um resumo dos seis anteriores – na quebra do oitavo código denominado singelamente de “Código 8: O verdadeiro código de Jesus”, Bock aproveita para fazer proselitismo, uma catequese descarada onde apresenta o Jesus Canônico como a única via de salvação para a humanidade.

Esse movimento dito ‘revisionista’ pelos detratores e combatido tão veementemente por Bock tomou impulso a partir das descobertas de Nag Hammadi, em que foram trazidos à luz textos que antes só haviam referências fragmentadas em ataques feitos pelos primeiros Padres da Igreja. Esse material colocou a Igreja numa situação constrangedora, pois trouxe à tona muito do que ela pensava ter destruído definitivamente. Agora se arrola numa tentativa de desmoralizar historicamente este material e menosprezar os estudos que defendam a sua anterioridade ou contemporaneidade em relação aos canônicos, usando das mais diversas campanhas junto principalmente ao público leigo, a massa a qual lhes interessa manter imune às influências dessas novas informações. Não é por acaso que o publico alvo dessa campanha seja o mesmo que lê e transforma em best-sellers livros como os de Paulo Coelho e Dan Brown. Talvez o próprio romance deste último faça parte desta estratégia de colocar todos os apócrifos sem exceção como “um monte de entulho produzido em grande parte pela imaginação piedosa ou fantástica de alguns cristãos do século II” 3.



1 – Prelazia: Organização hierárquica secular mas que conta com o apoio e aprovação do vaticano.

2 - ICAR - Igreja Católica apostólica Romana

3 - MEIER, John P. - Um Judeu Marginal: Repensando o Jesus Histórico; Raízes do Problema. Imago, 1993. Fonte: Cap. 5 As Fontes: As Agrapha e os Evangelhos Apócrifos".
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HEREGE = INTELIGENTE


Uma pequena curiosidade etimológica: todos que se desviam do caminho santo e do pensamento correto (ortodoxia) são chamados hereges pela Igreja.

Herege vem do grego e designa aquele que opta, que escolhe.

A palavra inteligente vem do latim intelligens, inteligentis; particípio presente do verbo Intelligo (de inter e lego).

Inter: prep. entre, em meio de, à cerca de.
Lego: verbo escolher, eleger, optar.

Assim, intelligo significa escolher, eleger, optar entre, em meio de ou à acerca de. Logo, inteligente é aquele que escolhe entre várias opções.

Conclui-se, então, que ser HEREGE é o mesmo que ser INTELIGENTE!!!

Assim, a própria Igreja exclui os inteligentes de suas fileiras, acusando-os de hereges, culpados do pecado da inteligência que os leva a escolher, a optar.
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UMA OUTRA ETIMOLOGIA PARA A PALAVRA RELIGIÃO


Segundo o dicionário Latino-português de F.R. dos Santos Saraiva, "religio, religionis" não deriva do verbo "religare" como é quase unânime pensar; mas, sim, do verbo “relegere”; etimologia esta defendida por Cícero. E isso pode mudar muita coisa em nossas interpretações de que seja “religião”. “Religare” era usado dentro do campo semântico que abarcava os sentidos de atar, prender, amarrar, cingir, apertar, ligar firmemente, laçar fortemente, constringir liames, etc...

Enquanto “relegere” foi construído a partir do verbo “legere”; cujo campo semântico é bem amplo; ele podia ser usado no sentido de eleger, escolher, optar, decidir, coletar, colher, selecionar. Mas também era empregado significando pegar, apanhar, tomar e roubar; daí expressando figurativamente termos como espreitar, espiar, surpreender. Ainda podia comunicar os conceitos de percorrer, seguir, ver sucessivamente, revistar, resenhar, tocar de leve, deslizar, costear, ler para si ou para outros, explicar e etc... Agora, coloque a partícula “re” em frente de tudo isso, assumindo os vários significados deste prefixo: 'movimento para trás'; 'repetição'; 'intensidade', 'reciprocidade'; 'mudança de estado'. Fazendo isso, teremos uma “re-leitura” quase inédita da palavra religião, afastando de modo conclusivo a tal “religação com deus”. Aparecerão idéias estranhamente incompatíveis com o nosso atual conceito de religião. Exemplos: renovar escolhas, reconsiderar decisões, retomar o que se abandonou (pode ser a inteligência), repassar condutas, rever sucessivamente, re-examinar, surpreender mais uma vez, selecionar de novo, tornar a explicar e tantas outras revisões reiteradas que os “portadores da fé” jamais cogitariam em fazer, afinal o que é “certo e verdadeiro” não tem a necessidade de ser revisto outra vez.
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A IGREJA E O IMPÉRIO ROMANO.


Muitos cristãos ou simpatizante do cristianismo, num afã de minimizar ou justificar os terríveis atos da Inquisição, buscam colocar em pé de igualdade, ou até passando a ideia de que foi mais cruel e injusta, a perseguição dos cristãos pelos romanos. É sempre a velha estória de que os pagãos mataram cristãos às pencas nos alvores do movimento. Então, trazem sempre à tona os mesmos e já tão batidos episódios melodramáticos e grandiloquentes de quando eles eram jogados aos leões ou aos cães, serviam de diversão no "pão e circo" romano e ardiam como tochas humanas nos jardins de Nero. E, assim, arrancam lágrimas e pena da audiência com poucos conhecimentos históricos.

No fundo, não passa de uma visão ingênua, descontextualizada, fragmentária e reducionista historicamente. Antes mesmo de se tornar religião oficial do Império Romano sob os auspícios de Constantino I, a igreja de Roma já tinha alcançado uma hegemonia predatória em episódios pregressos de intolerância e repressão contra membros da própria comunidade cristã. Desde o seu início, suas táticas de expansão promoveram o ódio para os desviantes e mortes sensacionalistas de seus devotos fiéis.

Constantino I apenas se aproveitou da índole preexistente da igreja fundada por Pedro e Paulo; os corruptores precisam dos corruptos. E neste caso é difícil estabelecer quem é quem. A igreja esperava ansiosa por um imperador como Constantino I para consolidar sua supremacia religiosa na Antiguidade tardia. Alguns imperadores anteriores foram simpatizantes ou até se converteram, mas não tiveram a ambição e a megalomania suficientes para servirem aos propósitos análogos dos detentores da cátedra de Pedro. Não procede a noção de que a instituição católica era pobre e sem recursos materiais antes da oficialização. Se já não tivesse posse de um poder expressivo e um significativo número de convertidos, Constantino jamais se interessaria por ela. E é interessante notar que durante sua vida ele não se converteu ao cristianismo. A história oficial da igreja conta que foi só quando morreu que ele se tornou realmente cristão. Mas nem disso há comprovação histórica.

Agora, é bem conveniente pôr toda responsabilidade nas costas do Constantino, colocando o essencial do cristianismo como vítima ingênua e seduzida dos desmandos de um homem com delírios de grandeza. Esse homem foi mais usado do que pôde usar. No final das contas, o ingênuo foi ele, aproveitaram-se de sua ganância para construir um poder político que se perpetuou além do império. Algo assim jamais ocorreria sob os auspícios de imperadores como Adriano, Trajano ou Marco Aurélio. Temos que mudar essa visão de que a igreja foi contaminada pelo império romano. O império é que foi infectado pelo cristianismo e morreu desta doença, mas infelizmente o vírus encontrou outros hospedeiros e sobrevive até hoje, com grande risco se de alastrar por toda a terra e acabar com toda a vida saudável que restou na humanidade.

Quanto ao "pão e circo", tenho a dizer que muito do espetáculo foi incentivado pelos próprios padres da igreja em sua ânsia de promover uma propaganda sensacionalista da nova religião e converter os mais impressionáveis. Estes diletos porta-vozes da palavra de deus encorajavam os pobres coitados a imitar o sacrifício da divindade imolada e dar testemunho do poder de sua fé. Ora esse modo de testemunhar se baseia num argumento falacioso; o apelo ao estado de quem argumenta. O fato de sofrer ou até morrer por uma ideia não garante a veracidade da mesma; se assim fosse a ideologia nazista estaria comprovada, pois não foram poucos os alemães que morreram por ela e acreditando nela.

Se falarmos em bravura e abnegação, veremos que esses mártires não tinham nada disso. Se realmente tinham fé em tudo que seus presbíteros pregavam; então só estavam agindo de forma interesseira, trocando uma vida, muitas vezes miserável, por outra de abundância e glória no céu, além de acelerar a salvação e eliminar o risco de se desencaminharem durante o resto de vida que pudessem viver. A propaganda cristã sempre privilegiou esse derramamento de sangue inútil e condenou sumariamente os que questionavam o valor destas demonstrações tétricas de fé. Bem antes de Constantino, o conjunto doutrinário da patrística já conduzia a eliminação quase total da primeira das heresias: o gnosticismo; justamente por ir contra o suicídio de pessoas simplórias e de padres vaidosos que desejavam imitar a paixão de cristo. Aos olhos já inquisitoriais dos pais fundadores da santa madre igreja, todos os que defendiam o exercício da escolha eram indignos da “vida” e da “verdade” oferecidos em holocausto pelo cristo, o cordeiro propiciatório.

Não quero, com isso, minimizar as perseguições movidas contra os cristãos por imperadores como Nero. Todavia, nem sempre era assim; a regra geral em diversos períodos do império, principalmente na época da patrística até Marco Aurélio, se caracterizava pela convivência pacífica, sem uma repressão organizada e instituída nos poderes do Estado.

No quesito justiça, é uma falta de visão histórica nivelar os tribunais romanos e os da santa inquisição. Os romanos, via de regra, se empenhavam em respeitavam suas leis e promover um ideal de justiça, tanto é que o direito romano ainda continua sendo um modelo para a legislação atual. Só ia a julgamento quem era denunciado e denúncias anônimas não eram admitidas, sendo encaradas como um mau exemplo e indigna de um cidadão romano. Nos julgamento, os acusados ficavam livres para desmentir as acusações e, se o fizessem, eram soltos depois de uma simples oferenda aos deuses. Aos obstinados, que insistiam em se declarar com pompa e circunstância a sua condição de cristãos convictos, era dado um tempo para que pensassem melhor, mesmo quando não queriam. Se, ainda assim, não mudassem o teor do discurso; os magistrados romanos, por força da lei, eram obrigados a condená-los. Como demonstra a carta do imperador Trajano aprovando a maneira de tratar a questão de Plínio, o governador da Bitínia (uma província da Ásia Menor):

Plínio o Jovem. Epist. X, 97 (resposta de Trajano a Plínio).

“Caro [Plínio] Segundo, tens seguido adequado proceder no exame das causas daqueles que te foram denunciados como cristãos (qui christiani ad te dela ti fuerant). Não se pode instituir uma regra geral (in universum aliquid) que tenha o valor de norma fixa Não devem ser perseguidos de oficio (conquirendi non sunt, isto é investigados por iniciativa oficial). Se forem denunciados e confessarem, é preciso condená-los, mas com a seguinte restrição: quem nega ser cristão (qui negaverit se christianum esse) e disso der prova manifesta, a saber, sacrificando a nossos deuses, ainda quando seja suspeito em seu passado, seja perdoado por seu arrependimento (veniam ex paenitentia impetret). Quanto às denúncias anônimas, não devem ter valor em nenhuma acusação, pois constituem um exemplo detestável e não são dignas de nosso tempo.”

Agora, os julgamentos inquisitoriais não davam pelota nem ao direito canônico, não havia nenhuma preocupação em manter um mínimo de imparcialidade ou, pelo menos, de aparentá-la. Os acusados, com poucas exceções, já chegavam condenados; a tortura não podia ser alegada em juízo como motivo para as confissões, quem defendesse o réu era imediatamente arrolado nos autos como cúmplice ou conivente. E tudo isso era assistido com entusiasmo pela massa irresponsável, a qual muitos inocentam alegando que não tinha culpa direta nos crimes praticados por um grupo da elite do clero.

Tentem achar sentido e coerência na aplicação do direito canônico em julgamento como os dos templários e os da santa inquisição. Quanto a esse aspecto cito a conclusão de Geraldo Pieroni em “Banidos”:

“É quase inútil buscar uma lógica no sistema da aplicabilidade das penas inquisitoriais. O degredo — uma das penas desse sistema — não escapa a essa regra. A arbitrariedade dos juízes conjuga-se com a disparidade dos direitos, dos costumes e das normas reinantes: por um mesmo tipo de crime o réu poderá sofrer penas bastante diferentes, dependendo das decisões e do arbítrio dos eclesiásticos magistrados dos tribunais inquisitoriais. Independentemente da gravidade de seu crime, a reparação deve ser feita. Ela é desejada pelos cristãos-velhos, ela é cobiçada pelos juízes, que almejam restabelecer a paz social abalada pela heresia dos indesejados. O respaldo maior reside no rei — o juiz supremo.”

E que reparação é essa tão desejada e cobiçada? Talvez possamos detectar, neste outro trecho do mesmo livro, um dos mais fortes interesses da igreja na condenação dos “hereges”, mesmo que, para isso, tivesse que se valer de denuncias anônimas ou inexistentes, falso testemunhos ou provas inconcludentes:

“O Dicionário dos Inquisidores revelava-se suficientemente claro com relação ao confisco do patrimônio dos condenados: os bens do herético são de pleno direito confiscados desde o instante em que o delito é cometido”. O confisco dos bens figurava entre as penas estabelecidas pelas leis civis e eclesiásticas. O imperador Frederico I, em 1220, determinava que “todos os heréticos de ambos os sexos serão considerados infames e espoliados de seus bens, os quais não serão jamais devolvidos e em nenhum caso seus descendentes poderão se beneficiar deles”. O papa Inocente III decretou, em 1199 e 1200, o confisco dos bens dos hereges conforme aquilo que já era definido pelas leis civis. Essas disposições foram reconsideradas em 1225 pelo Concílio de Latrão, durante o pontificado do mesmo papa, e confirmadas, em 1252, por Inocente IV. Na constituição Ad extirpandam, o papa ordenou que os bens confiscados fossem distribuídos em partes iguais: a) para a cidade em que se processou a condenação, b) para a Inquisição do lugar, c) para uma caixa comum do inquisidor e o bispo. Bonifácio VIII, em 1295, declarou na bula Cum secundum leges que os bens dos hereges poderiam, por direito, ser confiscados e proibiu as autoridades temporais de tomarem posse do patrimônio antes que os juízes eclesiásticos tivessem pronunciado as sentenças. Clemente V, em 1306, ordenou que os juízes tomassem cuidado de não confiscar os bens da Igreja quando se tratasse de um clérigo herege.”

Esse mesmo padrão de comportamento oportunista sempre existiu antes e depois da aproximação com o poder romano. No séc. IV teremos o templo de Cibele transformado na atual basílica de são Pedro e talvez os primeiros heréticos queimados vivos; uma seita de cristãos montanheses que ainda adoravam Cibele e admitiam o sacerdócio de mulheres. Depois da queda do império romano no ocidente (uma oportunidade premeditada?), houve a cooptação dos ditos reis bárbaros. Entre eles o soberano franco Clóvis, cujo fato marcante de sua biografia é a destruição do Reino de Toulouse (419-507) por tropas católicas ao seu comando, o intuito era combater uma versão heretizada do cristianismo, designada por alguns como ‘fides gothica’, que vinha sendo tolerada entre os visigodos convertidos desde meados do séc. IV. Indo um pouco mais além, encontraremos Carlos Magno com seu revolucionário e democrático método de conversão; ele propunha a seus súditos escolher livremente entre se converterem ou serem decapitados. Isso promovia tanto o crescimento absoluto como o relativo do contingente de católicos na população.
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PORQUE CRITICO O CRISTIANISMO.


Percebo que um grande contingente de leitores se sensibiliza quando a religião cristã é criticada. Tomam como ofensa pessoal ou como ataque a todas as pessoas que professam esse credo. Não entendo a confusão; ficaria bem claro para todos que, ao condenar o nazismo, não estaria atingindo o próprio povo alemão ou estigmatizando a sua nacionalidade, mesmo que tenham compactuado com as ações do regime, deixando que os discursos apologéticos de Hitler seduzissem toda a nação.

Assim, no momento em que apresentar críticas severas ao cristianismo atualmente em voga e em suas inócuas digressões, elas não devem ser lançadas sobre seus inocentes úteis: a pobre massa parasitada. Isto seria um argumento desonesto, uma falácia. Entendo que os cristãos são vítimas ou apenas instrumentos de uma vontade que não lhes pertence; que, imbuídos de suas verdades e certezas, têm servido aos propósitos de “um grupo da elite do clero", até mesmo como executores de seus crimes. São, no fundo, criaturas aliciadas e inconseqüentes, mas nem por isso menos perigosas.


Toda essa teologia cristiana de salvação é anti-humana, anti-ecológica e contra a vida. E não sou eu apenas que digo isso; pensadores como Nietzsche, Freud ou Reich já nos alertaram quanto a isso. A partir de um sistemático estudo da história e ideologia do cristianismo, estou no momento decidido quanto à necessidade de erradicação da mentalidade cristã ou seremos eliminados da face do que ainda restar do planeta. Isso não significa, em absoluto, que queira eliminar os cristãos. Não estou aqui preconizando o bem conhecido método católico de cura das doenças que são diagnosticadas pela sua ótica dogmática: eliminar a doença exterminando os doentes. Esse é um procedimento que pode ser repetido para todos os casos; não exige nenhuma sutileza, pesquisa, estudo ou comprovação da validade do diagnóstico. Não quero que suponham que seja esse o tratamento defendido por mim, Nietzsche, Freud ou Reich. Nenhum desses autores fez declarações levianas apenas movidas pelo ódio ou pelo radicalismo. Seus trabalhos sobre sexualidade, ética e genealogia da moral são referências duradouras. Contudo, não importa de onde venha o diagnóstico, sempre devemos procurar segundas, terceiras ou quartas opiniões. O mesmo vale para o meu, o de Nietzsche, o de Reich, o de Freud e de outros. Não só os cientistas precisam ser céticos, deve também fazer parte de nossas hipóteses de trabalho a consideração das possibilidades de erro. Por isso, sempre admito que posso estar enganado, mas nem por isso recuo ao ter que tomar uma decisão, assumindo os riscos e a responsabilidade dela decorrente. No momento estou decidido pelos diagnósticos desses pensadores; aposto minhas fichas neles, apesar de nunca abandonar minha boa e velha amiga dúvida. Ela é que me mantém alerta, não me deixando perder os motivos justos e os momentos próprios para reconsiderar e tomar uma nova decisão.

O cristianismo é um arremedo de religião deste o seu início, cujo fundador não foi o homem chamado Jesus de Nazaré, mas um oportunista e plagiador de cultos anteriores: Paulo de Tarso. Quem quiser conhecer o teor desta traição, precisa ler os evangelhos apócrifos, principalmente os recém-descobertos na década de 1940. A datação destes manuscritos os coloca, para alguns pesquisadores, como os documentos mais próximos das fontes originais que serviram de registro aos pensamentos de Jesus.

Porém, antes de tudo, é preciso dar nome aos bois e afastar o efeito de um ardil diversivo. A praga perniciosa e deletéria (relevem a redundância, quero ser enfático) que vem atacando a humanidade nesses dois milênios, com mais propriedade, deveria se chamar paulismo ou, pelo menos, cristianismo paulino. Esta deturpação sensacionalista veio a ser firmar a partir da hegemonia política angariada pela igreja de Roma sobre a dita igreja de Jerusalém, valendo-se dos estratagemas engendrados pela mente prodigiosa de Paulo. Em seu nascedouro, o núcleo de Jerusalém foi uma comunidade reunida em torno das figuras de Maria Madalena e Tiago, irmão de Jesus. Maria madalena aparece como um dos apóstolos mais intelectualmente ativo, após a morte de Judas Iscariotes; e Tiago como um elemento moderador e conciliatório para algumas das tendências do grupo. O principal conflito de opiniões vingava entre Pedro e Maria Madalena. Ele não aceitava que ela, como mulher, tivesse uma posição tão destacada dentro do movimento. A sua ostensiva misoginia era um traço indelével no seu caráter. E ela será amplamente explorada por Paulo no processo de aliciamento de Pedro, fazendo-o bandear-se para a linha cismática que irá promover.

Paulo de Tarso chega como qualquer outro simpatizante, sem nenhuma dignificação anterior que lhe traga relevo. Mas ele não demora a mudar essa situação, criando para si uma via apostólica sem nunca ter vivenciado a presença de Jesus. É a tão propalada e superestimada visão no caminho de Damasco. Quem poderia asseverar que ela tenha ocorrido realmente? De qualquer forma, ela não lhe deu autoridade suficiente para minar a resistência natural contra as inclusões platônicas que pregava e queria ver fundando o ideário do movimento.

Paulo, um devoto seguidor de Platão, desejava emular na estória de Jesus a trajetória do Sócrates platônico, mas elevando o modelo do mártir idealista ao nível do drama cósmico. Tipificando a personalidade megalômana por excelência, ele evoca, como testemunho da verdade de sua fé, o evento mítico do deus-homem que desce à terra e se oferece em holocausto para o “bem” da raça humana. O cordeiro divino que passa a se imolar eternamente no lugar dos homens para livrá-los das conseqüências de todos os seus pecados, cometidos ou não. Eis a mais asquerosa e fraudulenta concepção moral gerada pela vaidade e a ambição de um homem e, depois, abraçada fervorosamente pela autoindulgência humana: o bode expiatório universal. Desde então, a humanidade passou a ser depositária de uma promessa de impunidade que poderá ser resgatada, por uma simples palavra de contrição, no final da vida. Através desse deus “caridoso” foi nos dada a graça de viver sem assumir a responsabilidade por nossos atos. Nem o tom diplomático de Tiago conseguiu assimilar ou tolerar essa intrusão tão apartada da mensagem que se propuseram transmitir.

Frustrado em suas pretensões dentro do grupo, Paulo resolve abrir sua própria franquia, onde poderia implantar livremente a sua doutrina recheada de platonismo de fácil assimilação, principalmente para os gentis. Todavia, não tencionava sair sozinho, planejava arrebanhar o máximo possível de dissidentes para sua causa. Para tal, necessitava de um chamariz. E para conseguir esse trunfo, ele intuiu que a melhor jogada seria levar consigo um apóstolo genuíno. O candidato mais óbvio e fácil de convencer não era outro senão Simão, de alcunha kepha em hebraico, a rocha, a pedra; uma forma de chamamento que apelava pejorativamente para sua origem de aldeão bronco, simplório e iletrado. Paulo, astuto mais uma vez, reverteu esse detalhe inconveniente a seu favor ao pôr na boca de Jesus as palavras emblemáticas do evangelho: “tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja”. Com um golpe certeiro, Paulo destitui a precedência de todos os outros apóstolos em prol de um único: o instável e irascível Pedro e funda uma igreja bem ao gosto dele; sem exigências intelectuais e com a total segregação das mulheres.

A Igreja agiu (e age) mantendo coerência apenas com os próprios interesses, muitas vezes passando por cima de seus próprios ideários, leis constituídas e regulamentos internos tão solenemente pregados. E, sempre em vista de preservar esses interesses, adapta oportunistamente suas posturas e atitudes de acordo com as circunstâncias sociais e estruturas de poder vigentes. É um tipo de conduta que vem aplicando desde seus primórdios; seguindo a linha de seus veneráveis fundadores, a começar por Pedro e Paulo. Deste período, temos o exemplo do uso do sacrifício dos mártires para promover a nova religião entre a parcela impressionável da população que, diga-se de passagem, era bastante significativa, sendo até hoje estimulada a crescer cada vez mais. Também é desta época uma das primeiras amostras do espírito de amor ao próximo, de tolerância com a diferença e de legitimação do livre arbítrio. A campanha de exclusão sumária do seio da comunidade de verdadeiros cristãos dos perpetradores das designadas primeiras heresias, aqueles que teimosamente insistiam na necessidade de não se parar de buscar, de compor interpretações autônomas e de sempre ter que se fazer escolhas; donde receberam o nome pelo qual vieram a ser conhecidos: os que escolhem, os optantes, os hereges. Mas eram uns inconseqüentes ao fazerem isso, pois a verdadeira e única mensagem de Jesus, o cristo, já havia sido trazida ao mundo pelo próprio, o tempo da procura concluiu-se depois dos grandes adventos narrados nos evangelhos, nada mais restava a escolher e a postura que identifica indubitavelmente um cristão autêntico é a aceitação sem reservas dessa mensagem, a mesma que foi confiada aos apóstolos e seus legítimos descendentes, os representantes oficiais da cátedra de Pedro.

Agora, vamos analisar o “legado da Igreja e sua importância no desenvolvimento da civilização ocidental”. Que legado foi esse? Talvez possamos perguntar a Freud ou aos que desenvolveram a psicanálise se foi o respeito e a manutenção de uma sexualidade saudável no ser humano. Suponho que a resposta será um não bem redondo. Sendo assim, deve ter sido científico. Façamos então a pergunta a Galileu, Darwin ou mesmo a Giordano Bruno. Será que teríamos uma resposta diferente? Que tal o desenvolvimento de altos valores morais? Eu faria essa pergunta a Nietsche e ele me falaria da genealogia da moral e da má consciência e seus efeitos decadentes sobre o homem ocidental. Quem sabe não poderia ser a luta pela paz e a convivência pacífica entre os povos. Será que os meninos imberbes que integraram a cruzada das crianças ainda poderão nos responder sobre isso? Ou os judeus, mulçumanos e cristãos que, durante certo período, viveram na península ibérica numa atmosfera de tolerância cultural e religiosa? Ou às pessoas que se mataram e ainda se matam na Irlanda, apesar de comungarem sobre os mesmos ensinamentos?

A tendência geral aponta para uma inegável contribuição da igreja para as artes. Será que é tão inegável assim? O canto gregoriano e a música sacra em geral se apropriaram de expressões musicais pagãs transmitidas por grupos de menestréis como os goliardos. O apelo original dessas composições foi mantido, mas os versos de louvor ao ideal pagão de vida foram substituídos pela mensagem cristã. Mesmo o esplendor de algumas peças se deve mais ao talento do artista que ao tema. Quanto à arquitetura, basta levar em conta seus nomes para detectar suas influências; gótica, românica e etc... A arte pictórica, na opinião de alguns estudiosos como Israel Pedrosa, declinou visivelmente durante o monopólio instituído pela igreja na idade média, isso se compararmos o desenvolvimento já alcançado pelos gregos, romanos e até egípcios. As artes plásticas só voltaram mesmo a florescer na renascença, graças à retomada dos ideais clássicos. Quem, olhando o teto da capela sistina, poderá dizer que se trata de uma evocação ao imaginário sacro católico? Tanto não é que já houve propostas para se cobrir a nudez das figuras pintadas por Michelangelo. Nietsche considerou a renascença como um período promissor de infiltrações pagãs na igreja, mas que infelizmente foi abafado pela contrarreforma; para ele, Lutero prestou um desserviço à humanidade.

Contudo, ainda temos que considerar que, durante a idade média, qualquer outro meio de expressão fora do patrocínio da igreja era perigoso ou inexistente. Assim, ou o artista se restringia aos ditames da religião ou não veria sua arte realizada e exposta. Também havia aqueles que realmente acreditavam que todo o dom artístico provinha da obediência e temor a deus e a ele deveria retornar através das obras de louvor; uma visão saliérica por excelência; a mesma que sempre caí por terra quando confrontada com a existência dos Mozarts.

Todavia, muitos contestarão que não temos condições de saber, com certeza, como seria sem a igreja. Poderia ser melhor, mas também poderia pior. Talvez nem fosse diferente. É tudo vã conjectura, que agora não tem nenhuma utilidade. O revanchismo não nos levará a nada. As pessoas que fizeram a igreja no passado já morreram, não podemos culpar as de hoje de nada que seus antecessores fizeram.

Concordo, em termos. Não podemos ter certeza se seria diferente. Mas esse é um fato trivial: não só isso como nada podemos saber com certeza. Contudo, nada nos impede de aduzir probabilidades. Por tudo que expus, pelo legado da antiguidade clássica e pelo muito que ele conseguiu, apesar dos mais de mil anos de clandestinidade; é muito plausível a hipótese de que, sim, seria diferente e muito menores os danos e os prejuízos para humanidade. Não estou me importando se sôo politicamente incorreto ou não. Aceitar a argumentação politicamente correta daria precedentes para o advogado de uma companhia aérea, responsável pela queda de um avião, negar indenização à família de um dos mortos, alegando que não houve dano ou prejuízo, pois não se pode estabelecer sem sombras dúvidas se a família estaria em melhor ou pior situação financeira, caso a vítima ainda estivesse viva após o acidente.

Outra argumentação reincidente é dizer que; embora tenha havido uma certa catequese predatória através do medo, constrangimento, suborno, sevícias, armas e queima de livros; as culturas e religiões que se perderam poderiam ter sobrevivido, se resistissem mais e se a preservação de seus livros e conhecimentos lhes fossem realmente essenciais, já que muitas outras se defrontando com adversidades iguais ou até maiores, logrando êxito e transmitindo suas tradições aos dias de hoje. Usando de novo a metáfora de tribunal, seria o mesmo que defender um estuprador acusando a vítima de não ter resistido o suficiente, afinal se assim tivesse agido teria evitado o estupro, do mesmo modo como muitas outras mulheres visadas conseguiram impedir a consumação do ato.

O problema da religião católica e muitas de suas ramificações é que jamais conseguirá conviver com outras concepções religiosas, isto por causa da índole monopolista de sua estrutura ideológica; a crença que professam é a de possuírem o único caminho para a salvação, a única verdade que ilumina, “ninguém chega ao pai senão por mim”. Só por aceitar os dogmas de sua religião, os católicos já estão tachando todas as alternativas como fraudes, logro e perdição. Portanto, sentem-se no direito e no dever de salvar, a qualquer custo, as pobres almas ingênuas e cegas, levando até elas a verdade, da qual são os portadores escolhidos por deus. Assim, não acham nada de mais invadir o espaço de culto alheio, afinal concebem suas ações como um ato de amor ao semelhante. Para eles, o máximo do altruísmo é representado por sua regra de ouro: “fazer ao próximo somente o que gostaria lhe fizessem”.

Desconfio de quem se diz livre e consciente aceitando como natural ser chamado de ovelha do rebanho de deus. O salmo 23 é uma pérola dessa total falta de senso: “O senhor é meu pastor e nada me faltará”. Qual o interesse do pasto em cuidar das ovelhas? Realmente nada faltará a elas até o dia da tosquia, quando ele lhes tomará a lã. Ou até o dia do abate, quando lhes tomará a vida.

E, contraditoriamente, todos condenam a visão de "ovelha no redil", mas aceitam de bom grado e como elogio serem colocados como pessoas tementes a deus. Acho estranho, pois temer o pastor e os cães do pastor é uma característica de “ovelha no redil”. Seguir uma conduta por medo não é mérito, é covardia. A estratégia padrão de todo bom tirano é provocar medo e intimidar a massa oprimida. Quem aprovaria, nos tempos atuais, a relação entre pai e filho baseada no medo? Medo não gera respeito, mas revolta e ressentimentos afogados na passividade conformada. Mas até quando? Não se pode ser sincero quando movido pelo medo. Temos que agir sem constrangimentos, de livre e espontânea vontade e deliberação, assumindo responsabilidade por cada ato, sem desculpas de termos sido forçados por alguma pressão superior. Se assim eu me comportar e fizer igual ao que me foi recomendado, nutrirei genuíno respeito por quem me aconselhou desta maneira. O medo e a servidão sempre andam juntos e fazem parte das virtudes teologais almejadas por qualquer cristão. O livre arbítrio é a maior farsa perpetrada dentro do cristianismo: onde há medo e censura, não resta espaço para a liberdade de escolha ou para decisão responsável.

As religiões que pregam a “Verdade” são danosas a qualquer eco-sistema, são viróticas e parasitárias, são programadas para se espalhar por todos os indivíduos vulneráreis e eliminar toda a saudável diversidade. A bíblia é um manual para tiranos e posturas antiecológicas. Quem credita nela fielmente, está contribuindo para a destruição do planeta e para a manutenção dos sistemas viciosos de poder. A população ocidental esteve prestes a ser tomada totalmente por essa doença; tivemos uma pequena recuperação, um novo alento dado por um remédio antigo, mas ainda estamos convalescentes e a afecção está voltando com mais força e novas variantes mutagênicas. Essa não é a hora de ser politicamente correto, já não podemos nos dar o luxo de ser condescendentes; agora é uma questão de sobrevivência do planeta como um todo.
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A ECOLOGIA É UMA CIÊNCIA RACIONAL E MATERIALISTA


As idéias ecológicas não são novas. No século II, Marco Aurélio já falava na rede que interligava todos os seres para formar o todo, onde todos se diferiam apenas por função, não por importância. Ele mesmo como imperador não se julgava melhor que qualquer outro cidadão do mundo. Mas, depois disso, vieram momentos obscuros, onde uma religião propagou a ascendência do homem em relação à natureza e que ela tinha sido criada por deus para pleno usufruto da criatura que era o ápice de toda a criação. Uma teocracia consubstanciada em um antropocentrismo por delegação. Essa postura vingou e se enraizou na psicologia do homem ocidental. O homem religioso cristão foi condicionado por gerações e gerações a perceber a natureza de forma teleológica, vendo em todos os seus eventos um propósito, um motivo para evocar uma providência divina. As árvores lançavam suas folhas para dar sombra ao homem pela graça e obra da bondade divina. A natureza era uma emanação da infinita bondade de deus, assim viver como se os recursos naturais fossem inesgotáveis era uma questão de fé, pois deus tudo proveria em abundância, seu manancial sempre estaria aberto e fluindo para o fiel.

Esse tipo de crença era relativamente inofensivo enquanto a população humana era pequena e não tinha instrumentos mais potentes para tornar mais significativa sua exploração predatória dos recursos da natureza. Mesmo assim, já no ano de 1086, 90% das florestas naturais em terras baixas cultiváveis tinham desaparecido na Inglaterra; segundo o “Doomsday Book”, um estudo encomendado por Guilherme, o conquistador. Essa pesquisa também recenseou 1,5 de milhões de habitantes na Inglaterra, dando uma densidade demográfica perto de 10 pessoas por Km2. Se essa concentração populacional e tão baixa tecnologia foi suficiente para causar uma destruição tão catastrófica das florestas inglesas, imagine agora que essa densidade é de 388 habitantes por Km2 e tecnologia muitíssimo superior.


Passados mil anos de ar viciado, uma lufada de brisa fresca pode ser respirada. A ciência ressurgia aos custos de algumas vidas e muita luta contra a repressão do "status quo" da elite sacerdotal.

São a racionalidade e a ciência as responsáveis por nossa atual visão ecológica, afinal a ecologia é uma ciência racional e não, por mais que alguns queiram, uma religião. Apesar de a maioria aceitar tacitamente que a arrogância humana em relação à natureza ser decorrente do progresso científico, foi a ciência que nos deu motivos para a humildade, ao ir nos colocando, a cada nova visão científica, em nosso devido lugar no universo. Nossa pretensa superioridade sobre a natureza, que está impressa em letras garrafais na bíblia, sempre teve na razão honesta a mais incansável acusadora. A ciência nos tirou paulatinamente do centro do universo para ocupar periferia de uma das trilhões de galáxias que se espalham pelo espaço. Darwin nos fez ver que partilhamos um destino comum com todos os animais. Freud, ainda, nos alertou para o fato de não sermos senhores nem mesmo dentro de nossas próprias mentes. Contra toda a resistência imposta pelo “sentimento religioso”, até com o preço de algumas vidas, a ciência foi demolindo cada uma de nossas aspirações de grandeza dentro do mundo natural.

Mas, infelizmente, pelo visto toda essa arrogância humana está voltando através das teologias ditas ecológicas, imiscuindo-se sorrateiramente nos movimentos ambientalistas. Apresentam uma capa de legitimidade científica que não vai além do superficial leigo. Apropriam-se indevidamente de termos científicos postos em moda, dos quais mostram não terem o fundamento matemático e técnico necessário para compreendê-los, quanto mais para interpretá-los da maneira leviana como fazem.

Se a crença é empregada para aceitar uma imagem da natureza que não se pode ver ou que a razão não pode tocar; então, nada impedirá que qualquer concepção, por mais absurda que for, seja adotada. A credulidade tem esse dom de tornar aceitável tudo que nos agrada, que não exigem muito esforço e que acalenta nossas carências. Basta que alguém adule nossa vã vaidade, para que prontamente coloquemos a sua disposição e ao seu controle essa nossa propensão a se subordinar e achar nobreza ou “grandeza d’alma” numa vida servil e conformada. O desejo de crer em algo superior, metafísico e sobrenatural deriva de aspirações egocêntricas contraditórias: se orgulhar por ser o melhor ao ser o mais humilde, se sentir o mais merecedor por sofrer mais, se julgar o primeiro por ser o último, se considerar o mais rico espiritualmente por ser o mais pobre materialmente e assim vai. Mas esse egocentrismo não deve ser confundido com a postura egoísta, a qual seria justamente seu antídoto.

No egoísmo se concebe que só podemos conhecer, interagir e nos relacionar com o mundo através de nossos próprios referenciais idiossincráticos; contudo, sem esquecer que são inúmeras as possibilidades de outros referenciais e que o nosso não é inercial, isto é, central, imóvel e único alojado no ponto de total convergência do universo. Traduzindo: vemos o mundo a partir de nosso próprio umbigo, mas isso não significa que ele seja o centro do universo.

A concepção imediata da natureza prescinde da fé para se sustentar. Nossa razão a entende e a fundamenta, nossos sentidos a percebem a qualquer momento e em qualquer lugar. Não nos é necessário qualquer poder sensorial maior do aquele de uso cotidiano para constatar e vivenciar sua presença.

O modelo de natureza que até agora funcionou perpassa por critérios racionais e científicos, afinal encontra respaldo numa ciência: a ecologia. Essa visão da natureza é a de uma grande rede biológica que interconecta todos os seres deste planeta; logo não é infinita, muito menos inesgotável; também não é onipotente, nem é totalmente invulnerável. A chamamos de natureza e não lhe impomos uma aparência antropomórfica, não buscamos nela conceitos puramente humanos como justiça, nobreza, bondade, caridade, piedade e amor. Ela existe por si mesma e não com o intuito de sustentar nossas vidas. Se isso ocorre é apenas um subproduto não intencional, mas aceito de bom grado e muito bem-vindo, originado pela prática egoísta de cada espécie de atender prioritariamente ao seu instinto de autoconservação. A função da Natureza não é nos servir de provedora pródiga para a nossa demanda exagerada de consumo e baseada em falsas necessidades. Mesmo porque sua capacidade tem limites, seus recursos e reservas não são eternos e muito menos exclusivos de determinada espécie, que no caso se crê no topo de uma cadeia alimentar irreal. Contudo, essa tem sido a teologia inconseqüente e perigosa de quase todas as religiões, inclusive muitas pagãs: fazer da natureza a própria materialização terrestre da providência e ‘bondade’ divinas. A árvore que lança suas folhas sobre nossas cabeças não está sendo generosa. Ela se copa sem nenhuma pretensão de nos oferecer sombra fresca; somente busca otimizar a captação de luz solar que necessita para fazer fotossíntese e, assim, garantir a sua própria subsistência.

Nós, ambientalistas, procuramos não usar o termo "unidade" para não minimizar a importância que tem pra nós outro termo de imprescindível relevância no equilíbrio ecológico: a "diversidade". Porque, muitas vezes, o público tende a identificar unidade com igualdade entre os elementos, resquícios do pensamento cristão. Preferimos o conceito de rede com autonomia pontual, sem uma subordinação a algo "maior". Todos os elementos interagem entre si, são interdependentes, mas não são dependentes de uma única linha de conduta na rede. Há certo "egoísmo" no equilíbrio ecológico, onde a prioridade é a própria sobrevivência sem preocupação com a sobrevivência alheia. Mas a seleção natural preserva só as posturas "egoístas" cujos efeitos colaterais sirvam para a sobrevivência de outras posturas "egoístas". Por isso também nos resguardamos da palavra "religião", da qual até muitos nos acusam. Não há "ligação" entre os elementos de um nicho ecológico, nada para prendê-los, atar ou amarrar. O que há é uma inter-relação frouxa e flexível, um equilíbrio dinâmico e precário entre eles: uma homeóstase.

Outra palavra que temos o cuidado de nos precaver é espiritualidade, pois achamos que ela não consegue dar sentido ao nosso ideal de estarmos sempre livres para reconsiderar os pressupostos que adotamos. Inclusive, o uso dela justificou a morte de muitos cientistas partidários da razão na fogueira. Isto por pessoas com certo poder religioso na mão e que tinham a convicção defendida ainda hoje; encaravam a razão como um empecilho para a evolução espiritual humana.

Agora, tentem realmente abdicar totalmente da razão. Vejam se conseguem fazer alguma coisa, qualquer coisa. Todas as nossas atividades dependem de processos racionais, conscientes ou inconscientes. O equilíbrio para andar exige tratamento racional para estímulos que vêm dos sentidos e do labirinto. Ver é o resultado da elaboração dos impulsos elétricos transmitidos pelo nervo ótico. Não raciocinar é literalmente vegetar ou menos que isso.

O que nos limita em todos os sentidos é justamente a burrice, a certeza e a fé. Esses são os fatores que nos tornam descuidados com nossos raciocínios, fazendo-nos presas fáceis para inúmeros engodos como: argumentos falaciosos (propositais ou não), verdades dogmáticas, proposições absurdas sustentadas apenas pela crença que se deve ter nelas, estreiteza intelectual causada pelas certezas, abandono das ações razoáveis para agir inspirado unicamente pela fé, preconceitos e paradigmas estanques. Tudo isso nos toma a iniciativa de buscar; pois o que buscar, se já estamos certos, se já temos a verdade? Como ficarmos curiosos, motivados ou questionadores se não nos permitimos a dúvida? Ter dúvida é um dos sinais de uma mente livre.
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