A ECOLOGIA É UMA CIÊNCIA RACIONAL E MATERIALISTA


As idéias ecológicas não são novas. No século II, Marco Aurélio já falava na rede que interligava todos os seres para formar o todo, onde todos se diferiam apenas por função, não por importância. Ele mesmo como imperador não se julgava melhor que qualquer outro cidadão do mundo. Mas, depois disso, vieram momentos obscuros, onde uma religião propagou a ascendência do homem em relação à natureza e que ela tinha sido criada por deus para pleno usufruto da criatura que era o ápice de toda a criação. Uma teocracia consubstanciada em um antropocentrismo por delegação. Essa postura vingou e se enraizou na psicologia do homem ocidental. O homem religioso cristão foi condicionado por gerações e gerações a perceber a natureza de forma teleológica, vendo em todos os seus eventos um propósito, um motivo para evocar uma providência divina. As árvores lançavam suas folhas para dar sombra ao homem pela graça e obra da bondade divina. A natureza era uma emanação da infinita bondade de deus, assim viver como se os recursos naturais fossem inesgotáveis era uma questão de fé, pois deus tudo proveria em abundância, seu manancial sempre estaria aberto e fluindo para o fiel.

Esse tipo de crença era relativamente inofensivo enquanto a população humana era pequena e não tinha instrumentos mais potentes para tornar mais significativa sua exploração predatória dos recursos da natureza. Mesmo assim, já no ano de 1086, 90% das florestas naturais em terras baixas cultiváveis tinham desaparecido na Inglaterra; segundo o “Doomsday Book”, um estudo encomendado por Guilherme, o conquistador. Essa pesquisa também recenseou 1,5 de milhões de habitantes na Inglaterra, dando uma densidade demográfica perto de 10 pessoas por Km2. Se essa concentração populacional e tão baixa tecnologia foi suficiente para causar uma destruição tão catastrófica das florestas inglesas, imagine agora que essa densidade é de 388 habitantes por Km2 e tecnologia muitíssimo superior.


Passados mil anos de ar viciado, uma lufada de brisa fresca pode ser respirada. A ciência ressurgia aos custos de algumas vidas e muita luta contra a repressão do "status quo" da elite sacerdotal.

São a racionalidade e a ciência as responsáveis por nossa atual visão ecológica, afinal a ecologia é uma ciência racional e não, por mais que alguns queiram, uma religião. Apesar de a maioria aceitar tacitamente que a arrogância humana em relação à natureza ser decorrente do progresso científico, foi a ciência que nos deu motivos para a humildade, ao ir nos colocando, a cada nova visão científica, em nosso devido lugar no universo. Nossa pretensa superioridade sobre a natureza, que está impressa em letras garrafais na bíblia, sempre teve na razão honesta a mais incansável acusadora. A ciência nos tirou paulatinamente do centro do universo para ocupar periferia de uma das trilhões de galáxias que se espalham pelo espaço. Darwin nos fez ver que partilhamos um destino comum com todos os animais. Freud, ainda, nos alertou para o fato de não sermos senhores nem mesmo dentro de nossas próprias mentes. Contra toda a resistência imposta pelo “sentimento religioso”, até com o preço de algumas vidas, a ciência foi demolindo cada uma de nossas aspirações de grandeza dentro do mundo natural.

Mas, infelizmente, pelo visto toda essa arrogância humana está voltando através das teologias ditas ecológicas, imiscuindo-se sorrateiramente nos movimentos ambientalistas. Apresentam uma capa de legitimidade científica que não vai além do superficial leigo. Apropriam-se indevidamente de termos científicos postos em moda, dos quais mostram não terem o fundamento matemático e técnico necessário para compreendê-los, quanto mais para interpretá-los da maneira leviana como fazem.

Se a crença é empregada para aceitar uma imagem da natureza que não se pode ver ou que a razão não pode tocar; então, nada impedirá que qualquer concepção, por mais absurda que for, seja adotada. A credulidade tem esse dom de tornar aceitável tudo que nos agrada, que não exigem muito esforço e que acalenta nossas carências. Basta que alguém adule nossa vã vaidade, para que prontamente coloquemos a sua disposição e ao seu controle essa nossa propensão a se subordinar e achar nobreza ou “grandeza d’alma” numa vida servil e conformada. O desejo de crer em algo superior, metafísico e sobrenatural deriva de aspirações egocêntricas contraditórias: se orgulhar por ser o melhor ao ser o mais humilde, se sentir o mais merecedor por sofrer mais, se julgar o primeiro por ser o último, se considerar o mais rico espiritualmente por ser o mais pobre materialmente e assim vai. Mas esse egocentrismo não deve ser confundido com a postura egoísta, a qual seria justamente seu antídoto.

No egoísmo se concebe que só podemos conhecer, interagir e nos relacionar com o mundo através de nossos próprios referenciais idiossincráticos; contudo, sem esquecer que são inúmeras as possibilidades de outros referenciais e que o nosso não é inercial, isto é, central, imóvel e único alojado no ponto de total convergência do universo. Traduzindo: vemos o mundo a partir de nosso próprio umbigo, mas isso não significa que ele seja o centro do universo.

A concepção imediata da natureza prescinde da fé para se sustentar. Nossa razão a entende e a fundamenta, nossos sentidos a percebem a qualquer momento e em qualquer lugar. Não nos é necessário qualquer poder sensorial maior do aquele de uso cotidiano para constatar e vivenciar sua presença.

O modelo de natureza que até agora funcionou perpassa por critérios racionais e científicos, afinal encontra respaldo numa ciência: a ecologia. Essa visão da natureza é a de uma grande rede biológica que interconecta todos os seres deste planeta; logo não é infinita, muito menos inesgotável; também não é onipotente, nem é totalmente invulnerável. A chamamos de natureza e não lhe impomos uma aparência antropomórfica, não buscamos nela conceitos puramente humanos como justiça, nobreza, bondade, caridade, piedade e amor. Ela existe por si mesma e não com o intuito de sustentar nossas vidas. Se isso ocorre é apenas um subproduto não intencional, mas aceito de bom grado e muito bem-vindo, originado pela prática egoísta de cada espécie de atender prioritariamente ao seu instinto de autoconservação. A função da Natureza não é nos servir de provedora pródiga para a nossa demanda exagerada de consumo e baseada em falsas necessidades. Mesmo porque sua capacidade tem limites, seus recursos e reservas não são eternos e muito menos exclusivos de determinada espécie, que no caso se crê no topo de uma cadeia alimentar irreal. Contudo, essa tem sido a teologia inconseqüente e perigosa de quase todas as religiões, inclusive muitas pagãs: fazer da natureza a própria materialização terrestre da providência e ‘bondade’ divinas. A árvore que lança suas folhas sobre nossas cabeças não está sendo generosa. Ela se copa sem nenhuma pretensão de nos oferecer sombra fresca; somente busca otimizar a captação de luz solar que necessita para fazer fotossíntese e, assim, garantir a sua própria subsistência.

Nós, ambientalistas, procuramos não usar o termo "unidade" para não minimizar a importância que tem pra nós outro termo de imprescindível relevância no equilíbrio ecológico: a "diversidade". Porque, muitas vezes, o público tende a identificar unidade com igualdade entre os elementos, resquícios do pensamento cristão. Preferimos o conceito de rede com autonomia pontual, sem uma subordinação a algo "maior". Todos os elementos interagem entre si, são interdependentes, mas não são dependentes de uma única linha de conduta na rede. Há certo "egoísmo" no equilíbrio ecológico, onde a prioridade é a própria sobrevivência sem preocupação com a sobrevivência alheia. Mas a seleção natural preserva só as posturas "egoístas" cujos efeitos colaterais sirvam para a sobrevivência de outras posturas "egoístas". Por isso também nos resguardamos da palavra "religião", da qual até muitos nos acusam. Não há "ligação" entre os elementos de um nicho ecológico, nada para prendê-los, atar ou amarrar. O que há é uma inter-relação frouxa e flexível, um equilíbrio dinâmico e precário entre eles: uma homeóstase.

Outra palavra que temos o cuidado de nos precaver é espiritualidade, pois achamos que ela não consegue dar sentido ao nosso ideal de estarmos sempre livres para reconsiderar os pressupostos que adotamos. Inclusive, o uso dela justificou a morte de muitos cientistas partidários da razão na fogueira. Isto por pessoas com certo poder religioso na mão e que tinham a convicção defendida ainda hoje; encaravam a razão como um empecilho para a evolução espiritual humana.

Agora, tentem realmente abdicar totalmente da razão. Vejam se conseguem fazer alguma coisa, qualquer coisa. Todas as nossas atividades dependem de processos racionais, conscientes ou inconscientes. O equilíbrio para andar exige tratamento racional para estímulos que vêm dos sentidos e do labirinto. Ver é o resultado da elaboração dos impulsos elétricos transmitidos pelo nervo ótico. Não raciocinar é literalmente vegetar ou menos que isso.

O que nos limita em todos os sentidos é justamente a burrice, a certeza e a fé. Esses são os fatores que nos tornam descuidados com nossos raciocínios, fazendo-nos presas fáceis para inúmeros engodos como: argumentos falaciosos (propositais ou não), verdades dogmáticas, proposições absurdas sustentadas apenas pela crença que se deve ter nelas, estreiteza intelectual causada pelas certezas, abandono das ações razoáveis para agir inspirado unicamente pela fé, preconceitos e paradigmas estanques. Tudo isso nos toma a iniciativa de buscar; pois o que buscar, se já estamos certos, se já temos a verdade? Como ficarmos curiosos, motivados ou questionadores se não nos permitimos a dúvida? Ter dúvida é um dos sinais de uma mente livre.




Um comentário:

Luciana Hahn disse...

Quebra de paradigmas políticos, ambientais, sociais, econômicos... São muitos séculos de condicionamento e a constante manutenção das formas de exploração que visam lucro (feudalismo, capitalismo). Utopia ultrapassar essas barreiras? Não acho! A reconstrução da vida social a partir das novas gerações e do esforço de quem não quer participar da destruição da natureza é uma luta REAL, não utópica. Pontual, é verdade, mas em expansão.