A FÉ COMO PLACEBO


Ultimamente, tem sido recorrente a divulgação de muitos supostos trabalhos científicos que atestariam o poder curativo da fé. No entanto, qualquer pesquisa científica, digna desse nome, que queira avaliar o "poder curativo" de alguma medicação precisa preparar um grupo de controle. É imprescindível que uma parcela previamente determinada dos participantes do experimento receba uma versão inócua do tratamento sem que percebam o engodo. Isso serve para constatar se o efeito medicamentoso vai além do conhecido efeito placebo.

Por um fator ainda não totalmente explicado, o ser humano tem a capacidade de emular os resultados esperados de um medicamento, sem o tomar, quando sob forte sugestão a respeito de sua eficácia. Essa sugestão é tanto maior quanto maior for a confiança do paciente no médico que o administra ou no laboratório que o fabrica. Tem-se visto que a intensidade com que o efeito placebo ocorre é diretamente proporcional ao nível dessa confiança. Por essa peculiaridade é que a seleção dos integrantes do grupo de controle deve ser aleatória; pois o resultado seria facilmente manipulado em favor do medicamento, se a escolha se pautasse no critério de máxima descrença no médico ou no laboratório. Assim, grande parte do efeito placebo no grupo de teste seria creditada à eficácia do remédio.


Fica evidente que essa segurança íntima na competência do médico ou do laboratório não é nada mais que a fé depositada na palavra exarada do poder de uma autoridade. Uma definição que também se pode aplicar apropriadamente à fé religiosa.


Agora, se, como querem esses trabalhos "científicos", tratarmos a fé como um medicamento; teremos que constituir, para o exame de sua eficiência, um grupo de controle. É aí que começam as dificuldades: o que daremos às pessoa que se pareça com fé sem ser propriamente fé, levando em conta que elas precisam acreditar que esse algo realmente é fé? Mas essa crença exigida para que o efeito placebo aconteça não deixa de ser fé e, portanto, não estaríamos administrando o remédio falso e sim o próprio remédio. Se, por outro lado, os pacientes escolhidos para o grupo de controle fossem desprovidos de fé, o efeito placebo, por definição, não poderia ser verificado.


A explicação razoável para o problema levantado pela suposta eficácia curativa da fé, a qual todo crente evita ou não considera, é que todo o "benefício" que se lhe creditam deriva apenas do efeito placebo, algo que lhe é conceitualmente inerente. Deus, religião ou crença não são o ópio do povo, são simples pílulas de açúcar. São elementos inócuos em si mesmo, onde o homem projeta seu próprio poder pessoal e perde controle sobre ele. Torna-se, então, dependente das pílulas de açúcar e de quem as possui. Veja que o efeito placebo também existe sob uma forma adversa, o efeito Nocebo. Ao acreditar que o placebo seja não um remédio, mas um veneno, o efeito que você provocará sobre si mesmo será nocivo. Do mesmo modo, deus tanto pode curar, como castigar ou lhe pôr em provação. Se acredita nele, então o temerá por algo que você mesmo está fazendo consigo mesmo (a redundância é proposital).


O problema com o placebo é que ele usurpa um poder que a princípio é seu. Você transfere para algo inócuo o controle de sua própria capacidade de cura psicossomática ou seja lá o que for. Então, fica dependente de um fator externo para realizar um ato que, no fundo, vem de você mesmo. Isso é uma maneira de ficar escravo, doando a sua liberdade e a sua auto-gestão a uma autoridade vazia. Sendo assim, quando esse fator externo lhe faltar, você estará perdido; pois não aprendeu a desencadear por esforço próprio a sua habilidade de fazer por si mesmo. O efeito placebo é também o que dá poder aos amuletos de qualquer espécie; às simpatias; às orações; às feitiçarias para o bem ou para o mal. Tudo isso é delegação desnecessária de poder pessoal. É como deixar suas economias sob a custódia de alguém e, quando precisar, ter que implorar a essa pessoa que lhe dê seu próprio dinheiro. De certa forma, já estamos acostumados que os bancos façam exatamente isso conosco, como se não pudesse ser de outra maneira. Seguindo com a analogia, alguns dirão que esse é o ônus da segurança bancária. Isso até que ocorra um plano Collor da vida ou simplesmente um erro de sistema que zera toda a nossa conta. Ou pior ainda: que usem nosso dinheiro para financiar projetos contra nós mesmo; tipo empresas poluidoras, lojas que exploram o consumidor, propinas para a corrupção, lavagem de dinheiro e etc.





Nenhum comentário: